Agi e Santa Cruz Advocacia

A MP 931 e a IN 79 do DREI: reuniões e assembleias semipresenciais e digitais

Não apenas nesse período de quarentena, mas também quando toda essa crise passar e nossas vidas voltarem ao normal, a possibilidade de realização de reuniões e assembleias semipresenciais e digitais representa um grande avanço para o direito societário brasileiro.

Em razão das restrições decorrentes da pandemia do novo Coronavírus (covid-19), que impactaram o funcionamento tanto de órgãos públicos quanto de empresas privadas, foi editada a Medida Provisória 931/2020, que (i) prorrogou, excepcionalmente, os prazos de cumprimento de certas obrigações de sociedades anônimas, limitadas e cooperativas e (ii) alterou a legislação empresarial para facilitar a realização de reuniões e assembleias nesses mesmos tipos societários.

A referida MP estabelece, nos seus primeiros dispositivos, algumas regras excepcionais que terão eficácia temporária, apenas nesse período de quarentena.

De acordo com o caput dos arts. 1º, 4º e 5º, o prazo para a realização das assembleias gerais ordinárias de sociedades anônimas, limitadas e cooperativas cujos exercícios sociais tenham encerrado entre 31 de dezembro de 2019 e 31 de março de 2020 passa a ser de 7 (sete) meses, contado do término do exercício social.

Para as sociedades anônimas e limitadas, ainda se determinou que disposições contratuais que exijam a realização da assembleia geral ordinária em prazo inferior a esses 7 (sete) meses serão consideradas sem efeito no exercício de 2020 (art. 1º, § 1º e art. 4º, § 1º).

Ademais, para todos os tipos societários disciplinados na MP, previu-se a prorrogação dos mandatos de administradores, membros de conselhos fiscais e de outros órgãos até a realização da respectiva assembleia geral ordinária (art. 1º, § 2º, art. 4º, § 2º e art. 5º, parágrafo único).

Especificamente para as sociedades anônimas, ainda foram estabelecidas outras regras excepcionais para esse período de quarentena, como a que permite que o conselho de administração delibere, ad referendum, assuntos urgentes de competência da assembleia geral (art. 1º, § 3º), a que possibilita que o conselho de administração ou a diretoria, conforme o caso, declare dividendos (art. 2º), e a que autoriza a CVM a prorrogar outros prazos da lei 6.404/1976 para companhias abertas (art. 3º).

Por fim, ainda no âmbito dessas regras excepcionais de aplicação restrita a esse período de quarentena, a MP 931/2020 estabeleceu, em seu art. 6º, que “enquanto durarem as medidas restritivas ao funcionamento normal das Juntas Comerciais decorrentes exclusivamente da pandemia do covid-19: I – para os atos sujeitos a arquivamento assinados a partir de 16 de fevereiro de 2020, o prazo de que trata o art. 36 da lei 8.934/1994, será contado da data em que a Junta Comercial respectiva restabelecer a prestação regular dos seus serviços; e II – a exigência de arquivamento prévio de ato para a realização de emissões de valores mobiliários e para outros negócios jurídicos fica suspensa a partir de 1º de março de 2020, e o arquivamento deverá ser feito na Junta Comercial respectiva no prazo de trinta dias, contado da data em que a Junta Comercial restabelecer a prestação regular dos seus serviços”.

O mais importante dessa MP, porém, foram suas regras não transitórias, mas permanentes: os arts. 7º, 8º e 9º alteraram, respectivamente, o Código Civil, a lei 5.764/1971 (Lei das Cooperativas) e a lei 6.404/1976 (Lei das Sociedades por Ações) para acrescentar-lhes dispositivos que permitem que sócios, associados e acionistas participem e votem a distância em reuniões e assembleias de sociedades limitadas, cooperativas e companhias fechadas, conforme regulamentação do DREI – Departamento Nacional de Registro Empresarial e Integração1.

Antes mesmo da edição da MP 931/2020, o DREI já havia solicitado parecer à Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional, órgão consultivo do Ministério da Economia, sobre a possibilidade de realização de reuniões ou assembleias “virtuais”, em virtude da pandemia do novo Coronavírus (covid-19). A resposta, naquela ocasião, foi positiva (Parecer 00241/2020/PGFN/AGU): 

“(…) 31. Destarte, uma vez reconhecido o motivo de força maior pela autoridade competente e tendo em vista que os órgãos e entidades da Administração Pública têm privilegiado a realização de reuniões não presenciais, careceria de lógica a interpretação segundo a qual medida idêntica não poderia ser estendida também aos demais cidadãos, a teor do que determina o Princípio Constitucional da Isonomia.

32. Assim, tendo em vista a caracterização de motivo de força maior pelo próprio Poder Público, não vislumbramos óbice jurídico na realização de Assembleia Geral Ordinária – AGO virtual, desde que, conforme sabiamente apontado na manifestação do Banco Central, seja assegurado que os meios adotados garantam a ‘segurança, a confiabilidade e a transparência necessárias para a validade de ato assemblear, nos termos da legislação e normas pertinentes’. Ademais, recomendamos que antes da realização de AGO, por meio virtual, as entidades adotem medidas com vistas a verificar se todos os interessados possuem condições técnicas para se manifestarem.

(…)

42. Recomendamos a indicação de que, com vistas a observar os prazos assinalados na legislação, em razão da excepcionalidade do momento, a realização de Assembleia Geral Ordinária poderá ser realizada por meio de videoconferência, desde que seja assegurado que os meios adotados garantam a ‘segurança, a confiabilidade e a transparência necessárias para a validade de ato assemblear, nos termos da legislação e normas pertinentes’. Ademais, recomendamos que antes da realização de AGO por meio virtual, as entidades adotem medidas com vistas a verificar se todos os interessados possuem condições técnicas para se manifestarem”. 

Nesse sentido, foi em ótima hora que o Poder Executivo editou a MP 931/2020, a qual, no que interessa ao presente artigo, assim dispôs: 

Art. 7º A lei 10.406, de 2002 – Código Civil, passa a vigorar com as seguintes alterações:

“Art. 1.080-A. O sócio poderá participar e votar a distância em reunião ou assembleia, nos termos do disposto na regulamentação do Departamento Nacional de Registro Empresarial e Integração da Secretaria Especial de Desburocratização, Gestão e Governo Digital do Ministério da Economia.” (NR) 

Art. 8º A lei 5.764, de 1971, passa a vigorar com as seguintes alterações:

“Art. 43-A. O associado poderá participar e votar a distância em reunião ou assembleia, nos termos do disposto na regulamentação do Departamento Nacional de Registro Empresarial e Integração da Secretaria Especial de Desburocratização, Gestão e Governo Digital do Ministério da Economia.” (NR)

Art. 9º A lei 6.404, de 1976, passa a vigorar com as seguintes alterações:

“Art. 121. (…)

§ 1º Nas companhias abertas, o acionista poderá participar e votar a distância em assembleia geral, nos termos do disposto na regulamentação da Comissão de Valores Mobiliários.

§ 2º Nas companhias fechadas, o acionista poderá participar e votar a distância em assembleia geral, nos termos do disposto na regulamentação do Departamento Nacional de Registro Empresarial e Integração da Secretaria Especial de Desburocratização, Gestão e Governo Digital do Ministério da Economia.” (NR)

Tendo-se em vista a imprescindibilidade da regulamentação de tais regras legais pelo DREI, a fim de que as sociedades já pudessem realizar reuniões e assembleias segundo seus ditames, uma minuta de instrução normativa foi colocada em consulta pública no dia seguinte à publicação da MP 931/2020, com prazo de 5 (cinco) dias para o recebimento de contribuições (apesar do curto prazo, foram recebidas dezenas de manifestações), muitas das quais foram acatadas.

Assim, no dia 14 de abril de 2020, foi editada a IN 79 do DREI, que foi publicada no Diário Oficial da União no dia seguinte.

Reuniões e assembleias semipresenciais e digitais

Com a entrada em vigor da referida IN, as reuniões e assembleias de sociedades anônimas fechadas, limitadas e cooperativas podem ser semipresenciais ou digitais: naquelas, os acionistas, sócios ou associados podem participar e votar presencialmente, no local físico da realização do conclave, mas podem também participar e votar a distância; nestas, o conclave não é feito em nenhum local físico, de modo que todos só podem participar e votar a distância (art. 1º, § 1º).

A participação e votação a distância pode ocorrer de duas formas: mediante o envio de boletim de voto a distância ou mediante atuação remota, via sistema eletrônico (art. 1º, § 2º). Vale destacar que a sociedade pode facultar as duas formas de participação e votação a distância ou apenas uma delas. Assim, por exemplo, uma assembleia será semipresencial caso, além de ser realizada em local físico, com participação e votação presencial, permita também participação e votação remota, via sistema eletrônico, ainda que não permita o envio de boletim de voto a distância.

Durante a elaboração da IN, houve discussão acerca da possibilidade de as sociedades fazerem assembleias digitais, isto é, sem nenhum local físico.

Quanto a limitadas e cooperativas, como não há norma expressa em suas respectivas legislações determinando a realização em local físico, concluiu-se facilmente pela possibilidade.

Já no tocante às companhias fechadas, o art. 124, § 2º da Lei 6.404/1976 diz expressamente que “a assembleia geral deverá ser realizada, preferencialmente, no edifício onde a companhia tiver sede ou, por motivo de força maior, em outro lugar, desde que seja no mesmo município da sede e indicado com clareza nos anúncios”. E o § 2º-A, acrescentado pela própria MP 931/2020, permitiu que a CVM excepcione essa regra para companhias abertas, mas nada disse sobre companhias fechadas2.

Entendemos, porém, que a regra do art. 124, § 2º da LSA não impede a realização de assembleia digital em companhias fechadas, e nesse sentido foi inserido dispositivo na IN afirmando que, “para todos os fins legais, as reuniões e assembleias digitais serão consideradas como realizadas na sede da sociedade” (art. 1º, § 3º)3.

Quanto às assembleias presenciais, em que acionistas, sócios ou associados só podem participar e votar se estiverem fisicamente presentes no local físico designado, pessoalmente ou por meio de representante, é óbvio que elas continuam sendo possíveis4: com a MP 931/2020 e a IN 79 do DREI, a realização de reuniões e assembleias semipresenciais e digitais tornou-se uma faculdade, e não uma obrigação.

Formalidades, documentos e informações

Para a realização de uma reunião ou assembleia, a sociedade respectiva deve cumprir algumas obrigações legais e regulamentares, e isso continua valendo normalmente para as reuniões e assembleias semipresenciais e digitais, as quais devem, segundo a IN, “obedecer às normas atinentes ao respectivo tipo societário, bem como às normas do contrato ou estatuto social da sociedade, conforme o caso, quanto à convocação, instalação e deliberação” (art. 2º).

Quanto aos documentos e informações que a sociedade deve disponibilizar aos acionistas, sócios ou associados em momento anterior à realização do conclave, como demonstrações financeiras, a IN deixou claro que eles “devem não apenas observar os mecanismos de divulgação já previstos em lei para cada tipo societário, como também ser disponibilizados por meio digital seguro” (art. 2º, § 1º). Por “meio seguro” entenda-se meio cujo acesso seja restrito a quem pode acessar tais documentos e informações (estabelecer acesso com login e senha, por exemplo, é uma forma de cumprir a regra).

No tocante à convocação para o conclave, caso a sociedade vá realizá-lo na modalidade semipresencial ou digital deve informar tal fato “em destaque” no instrumento convocatório, devendo ainda detalhar “como os acionistas, sócios ou associados podem participar e votar a distância” (art. 2º, § 2º). A IN usou o verbo detalhar para deixar claro que não basta a sociedade informar, por exemplo, que “admitirá envio de boletim de voto a distância” ou que “os sócios poderão votar por sistema eletrônico”. É preciso mais do que isso: é preciso detalhar como os acionistas, sócios ou associados poderão participar e votar a distância, o que envolve, por exemplo, explicar que sistema será usado, como ele poderá ser acessado etc.

Como é possível que, para cumprir a regra em questão, o anúncio de convocação tenha muitas informações, a IN permitiu que ele as divulgue de forma resumida, mas nesse caso é imprescindível indicar, no próprio anúncio, um “endereço eletrônico na rede mundial de computadores onde as informações completas devem estar disponíveis de forma segura” (art. 2º, § 3º). Não custa lembrar: por “forma segura” entenda-se uma forma que restrinja o acesso a quem pode acessar tais informações (acesso com login e senha, por exemplo).

Ainda sobre as informações que a sociedade deve fornecer para a realização de reuniões e assembleias semipresenciais ou digitais, a IN determina que “o anúncio de convocação deve listar os documentos exigidos para que os acionistas, sócios ou associados, bem como seus eventuais representantes legais, sejam admitidos à reunião ou assembleia semipresencial ou digital” (art. 3º).

Para facilitar o trabalho de conferência dessa documentação, a IN também previu que “a sociedade pode solicitar o envio prévio” dela, facultando aos interessados “o protocolo por meio eletrônico” (art. 3º, § 1º), que poderá ocorrer “até 30 (trinta) minutos antes do horário estipulado para a abertura dos trabalhos” (art. 3º, § 2º). Essa exigência foi inserida para que a sociedade tenha tempo de analisar a documentação antes do início do conclave, evitando atrasos indesejáveis.

O sistema eletrônico de participação e votação remota

Conforme já dito, uma das formas de participação e votação a distância é mediante atuação remota, via sistema eletrônico (art. 1º, § 2º). Nesse caso, a IN especificou algumas exigências, mas sempre tendo cuidado para ser o mais neutra possível do ponto de vista tecnológico.

Assim, desde que atendidos os requisitos mínimos da IN, a sociedade pode ter seu próprio sistema ou pode adquiri-lo no mercado dentre as inúmeras opções disponíveis. Nesse sentido, a IN diz que “a sociedade pode contratar terceiros para administrar, em seu nome, o processamento das informações nas reuniões ou assembleias semipresenciais e digitais, mas permanece responsável pelo cumprimento do disposto nesta Instrução Normativa” (art. 4º).

De acordo com o art. 6º da IN, “o sistema eletrônico adotado pela sociedade para realização da reunião ou assembleia semipresencial ou digital deve garantir: I – a segurança, a confiabilidade e a transparência do conclave; II – o registro de presença dos sócios, acionistas ou associados; III – a preservação do direito de participação a distância do acionista, sócio ou associado durante todo o conclave; IV – o exercício do direito de voto a distância por parte do acionista, sócio associado, bem como o seu respectivo registro; V – a possibilidade de visualização de documentos apresentados durante o conclave; VI – a possibilidade de a mesa receber manifestações escritas dos acionistas, sócios ou associados; VII – a gravação integral do conclave, que ficará arquivada na sede da sociedade; e VIII – a participação de administradores, pessoas autorizadas a participar do conclave e pessoas cuja participação seja obrigatória”. No caso das cooperativas, o sistema “deve garantir também anonimização dos votantes nas matérias em que o estatuto social previr o voto secreto” (parágrafo único)5.

A fim de assegurar a possibilidade de verificação do cumprimento dos incisos I e VII, a IN estabeleceu que “a sociedade deverá manter arquivados todos os documentos relativos à reunião ou assembleia semipresencial ou digital, bem como a gravação integral dela, pelo prazo aplicável à ação que vise a anulá-la”(art. 4º, parágrafo único).

Quanto ao inciso II6, um registro com login e senha, que comprove o acesso ao sistema, pode ser suficiente, mas cada sistema pode criar formas seguras de fazer esse registro, não cabendo ao regulador, frise-se, descer a detalhes sobre esses aspectos tecnológicos. Uma vez feito o registro, o importante é que o presidente e o secretário certifiquem nos livros e atas quem estava presente, porque tais documentos poderão ser assinados apenas por eles (art. 5º, parágrafo único). Essa regra foi prevista para facilitar os trabalhos da mesa, mas nada impede que a sociedade, se assim desejar, faça todos os presentes assinarem também, por meio eletrônico ou de próprio punho (neste caso, será mais trabalhoso, porque os documentos precisarão ser impressos e enviados a cada um dos que se fizeram presentes remotamente… mas é uma escolha da sociedade, e não uma obrigação).

Quanto aos incisos III e IV, não se mencionou, propositalmente, como o direito de participação e votação a distância será exercido, mais uma vez porque se quis fazer uma regulação neutra do ponto de vista tecnológico. Assim, o sistema pode usar tecnologia avançada, com recursos de áudio e vídeo, ou uma tecnologia mais modesta, com um mero chat em que os interessados enviam mensagens de texto, por exemplo. A escolha, mais uma vez, cabe à sociedade.

Enfim, o sistema não precisa utilizar tecnologia de ponta, mas apenas uma tecnologia que tenha algumas funcionalidades básicas, como a possibilidade de visualização de documentos (inciso V), de envio de manifestações escritas (inciso VI) e de gravação do conclave (inciso VII), algo que praticamente todos os sistemas conhecidos oferecem, inclusive em versões gratuitas.

O que importa, segundo a IN, é que a sociedade adote “sistema e tecnologia acessíveis”. Como o próprio DREI explicou em FAQ disponível no seu sítio eletrônico na rede mundial de computadores7, “por ‘sistema e tecnologia acessíveis’ deve-se entender algo que pode ser facilmente utilizado por todos com equipamentos e recursos tecnológicos comuns (computador, smartphone, conexão à internet etc.). Se, por exemplo, a sociedade adotar sistema cuja utilização pelos acionistas, sócios ou associados exigir a aquisição de equipamentos especiais, de alto custo, o art. 2º, § 4º da instrução normativa estará sendo descumprido. Se, em contrapartida, a sociedade adotar sistema simples, cuja utilização exige apenas um computador e uma conexão à internet, ela não poderá ser responsabilizada caso um acionista, sócio ou associado não consiga acessá-lo por causa de problemas na sua máquina ou na sua rede” (art. 2º, § 5º).

Por fim, quanto ao inciso VIII, a IN estabeleceu a regra porque se sabe que em muitos conclaves os acionistas, sócios ou associados pedem para que terceiros os acompanhem, como notários ou contadores, por exemplo: “não é de todo incomum os sócios, em especial os minoritários, tentarem participar da assembleia acompanhados de um notário, com o objetivo de registrar em ata notarial com fé pública fatos (e eventuais abusos) ocorridos no curso dos trabalhos. A entrada de terceiros, dentre os quais se incluem notários, administradores não sócios, contadores e consultores, pode ser permitida pelo presidente da assembleia, com autorização de sócios titulares da maioria do capital social presente, com o propósito de auxiliar nas discussões. No caso da sociedade anônima, é ainda garantida a participação de acionistas sem direito a voto para discutir as matérias colocadas em deliberação (art. 125, parágrafo único, da LSA)”8.

Boletim de voto a distância

Outra forma de participação e votação a distância é mediante o envio de boletim (art. 1º, § 2º), um mecanismo já conhecido no âmbito das companhias abertas, por força de regulamentação da CVM, cuja norma (ICVM 481) serviu de inspiração para a IN 79 do DREI, que apenas simplificou um pouco os requisitos do documento, tendo-se em vista que os destinatários da norma do DREI são tipos societários menos complexos (companhias fechadas, sociedades limitadas e cooperativas) que os destinatários da norma da CVM (companhias abertas).

De acordo com o art. 7º da IN, “o boletim de voto a distância deve conter: I – todas as matérias constantes da ordem do dia da reunião ou assembleia semipresencial ou digital a que se refere; II – orientações sobre o seu envio à sociedade; III – indicação dos documentos que devem acompanhá-lo para verificação da identidade do acionista, sócio ou associado, bem como de eventual representante; e IV – orientações sobre as formalidades necessárias para que o voto seja considerado válido”. O parágrafo único complementa, determinando que “a sociedade deve disponibilizar o boletim de voto a distância em versão passível de impressão e preenchimento manual, por meio de sistema eletrônico disponível na rede mundial de computadores”.

O art. 8º, por sua vez, dispõe que “a descrição das matérias a serem deliberadas no boletim de voto a distância: I – deve ser feita em linguagem clara, objetiva e que não induza o acionista, sócio ou associado a erro; II – deve ser formulada como uma proposta e indicar o seu autor, de modo que o acionista, sócio ou associado precise somente aprová-la, rejeitá-la ou abster-se; e III – pode conter indicações de páginas na rede mundial de computadores nas quais as propostas estejam descritas de maneira mais detalhada ou que contenham os documentos exigidos por lei ou por esta Instrução Normativa”.

Mas quando o boletim de voto a distância deve ser disponibilizado para os acionistas, sócios ou associados, e quando estes devem enviá-lo à respectiva sociedade? A resposta é dada pelo art. 9º: “o boletim de voto a distância deve ser enviado ao acionista, sócio ou associado na data da publicação da primeira convocação para a reunião ou assembleia semipresencial ou digital a que se refere, e deve ser devolvido à sociedade no mínimo 5 (cinco) dias antes da data da realização do conclave”.

Como a primeira convocação, a depender do tipo societário, deve ser feita no mínimo 8 (oito) ou 10 (dez) dias antes da realização do conclave (art. 124, § 1º, inciso I da lei 6.404/1976, art. 1.052, § 3º do Código Civil e art. 38, § 1º da lei 5.764/1971), esse é o prazo limite para a disponibilização do boletim aos interessados. Assim, na pior das hipóteses, o acionista de companhia fechada e o sócio de sociedade limitada terão pelo menos 3 (três) dias para envio do boletim à sociedade, e o associado de cooperativa terá no pelo menos 5 (dias) para tanto.

Recebido o boletim pela sociedade, ela tem até 2 (dois) para comunicar ao votante: “I – o recebimento do boletim de voto a distância, bem como que o boletim e eventuais documentos que o acompanham são suficientes para que o voto do acionista, sócio ou associado seja considerado válido; ou II – a necessidade de retificação ou reenvio do boletim de voto a distância ou dos documentos que o acompanham, descrevendo os procedimentos e prazos necessários à regularização” (art. 9º, § 1º).

Vale salientar que “o acionista, sócio ou associado pode retificar ou reenviar o boletim de voto a distância ou os documentos que o acompanham”, desde que o faça dentro do prazo de 5 (cinco) dias antes do conclave (art. 9º, § 2º). Assim, se ele enviou o boletim no último dia do prazo, obviamente não será possível enviar um boletim de retificação. Nesse caso, a solução será se fazer presente ao conclave, uma vez que “o envio de boletim de voto a distância não impede o acionista, sócio ou associado de se fazer presente à reunião ou assembleia semipresencial ou digital respectiva e exercer seu direito de participação e votação durante o conclave, caso em que o boletim enviado será desconsiderado” (art. 9º, § 3º).

Ainda quanto ao boletim de voto a distância, vale destacar que a IN do DREI não impôs qualquer modelo: cumprindo-se os requisitos mínimos já mencionados, a forma do boletim é livre.

Formalização e registro da ata

De acordo com os manuais de registro estabelecidos pela IN 38 do DREI, que foi editada em 2017, as sociedades devem apresentar a arquivamento na Junta Comercial respectiva a “certidão/cópia da ata de reunião ou ata de assembleia autenticada [assinada] pelo presidente e secretário”. Essa obrigação não é alterada pelo fato de a assembleia ou reunião ter sido realizada de forma semipresencial ou digital (art. 10). Ao contrário, no caso de reunião ou assembleia semipresencial ou digital, há uma exigência a mais: na ata “deve constar a informação de que ela foi semipresencial ou digital, informando-se a forma pela qual foram permitidos a participação e a votação a distância, conforme o caso” (art. 10, § 1º).

Como já dito, para facilitar os trabalhos da mesa, a ata não precisa ser assinada por todos, mas apenas pelo presidente e pelo secretário, que certificarão quem estava presente e consolidarão a lista de presença em documento único (art. 5º, parágrafo único e art. 10, § 2º).

Ainda quanto à ata, o § 3º do art. 10 prevê que, quando ela não for elaborada em documento físico, “I – as assinaturas dos membros da mesa deverão ser feitas com certificado digital emitido por entidade credenciada pela Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira – ICP-Brasil ou qualquer outro meio de comprovação da autoria e integridade de documentos em forma eletrônica; II – devem ser assegurados meios para que possa ser impressa em papel, de forma legível e a qualquer momento, por quaisquer acionistas, sócios ou associados; e III – o presidente ou secretário deve declarar expressamente que atendeu todos os requisitos para a sua realização, especialmente os previstos nesta Instrução Normativa”.

Perceba-se: além de não se exigir que todos assinem a ata, mas apenas o presidente e o secretário, não se obriga que tais assinaturas sejam feitas com certificado digital (ICP-Brasil), podendo ser usado “qualquer outro meio de comprovação da autoria e integridade de documentos em forma eletrônica”, como tecnologias de biometria digital ou facial, por exemplo (a propósito, confira-se o art. 10, § 2º da MP 2.200-2/2001).

Vigência da norma

O art. 4º do decreto 10.139/2019, que “dispõe sobre a revisão e a consolidação de atos normativos inferiores a decreto”, determina que, em regra, “os atos normativos estabelecerão data certa para a sua entrada em vigor e para a sua produção de efeitos”, devendo essa data ser “no mínimo, uma semana após a data de sua publicação”, e “sempre no primeiro dia do mês ou em seu primeiro dia útil”.

No entanto, o parágrafo único desse dispositivo permite que atos normativos inferiores a decreto, como é o caso das instruções normativas do DREI, estabeleçam a sua vigência imediata, desde que haja “urgência justificada no expediente administrativo”.

Como estamos passando por um grave período de calamidade pública, com imposição de diversas restrições a aglomeração de pessoas, a permissão para realização de reuniões e assembleias digitais é extremamente urgente, e por isso a IN previu que ela entrou em vigor na data de sua publicação, o que ocorreu em 15 de abril de 2020.

Reuniões e assembleias presenciais já convocadas

Tendo-se em vista que as medidas restritivas decorrentes da pandemia do novo Coronavírus (covid-19) foram implementadas desde o final de março de 2020, é sabido que muitas reuniões e assembleias presenciais que foram convocadas naquele mês acabaram não podendo ser realizadas.

Pensando nisso, a IN estabeleceu que “as reuniões ou assembleias presenciais já convocadas e ainda não realizadas, em virtude das restrições decorrentes da pandemia do Coronavírus (Covid-19), poderão ser realizadas de forma semipresencial ou digital, desde que todos os acionistas, sócios ou associados se façam presentes, nos termos do art. 5º desta Instrução Normativa, ou declarem expressamente sua concordância”.

Em sociedades menores – por exemplo, uma sociedade limitada com cinco sócios – não deve ser difícil cumprir determinada regra, mas em sociedades maiores pode ser realmente difícil. De qualquer forma, elas podem repetir a convocação, dessa vez cumprindo as formalidades da IN 79 do DREI, e fazer a reunião ou a assembleia, conforme o caso, de forma semipresencial ou digital.

Conclusão

Não apenas nesse período de quarentena, mas também quando toda essa crise passar e nossas vidas voltarem ao normal, a possibilidade de realização de reuniões e assembleias semipresenciais e digitais representa um grande avanço para o direito societário brasileiro e uma importante medida de simplificação e desburocratização para a melhoria do ambiente de negócios do País.

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1 Nas companhias abertas, essa previsão legal já existia, cabendo sua regulamentação à CVM – Comissão de Valores Mobiliários.

2 Esse suposto erro da MP 931/2020 suscitou duas propostas de emenda a ela, ambas sugerindo alteração do § 2º-A, feitas pelos parlamentares Marcel Van Hattem e Fernando Bezerra Coelho: “§2º-A Regulamentação da Comissão de Valores Mobiliários e do Departamento Nacional de Registro Empresarial e Integração poderá excepcionar a regra disposta no § 2º para as sociedades anônimas de capital aberto e de capital fechado, respectivamente, e, inclusive, autorizar a realização de assembleia digital”.

3 Pesou em favor da nossa interpretação a diretriz interpretativa estabelecida no art. 1º, § 2º da lei 13.874/2019, conhecida como Lei da Liberdade Econômica: “interpretam-se em favor da liberdade econômica, da boa-fé e do respeito aos contratos, aos investimentos e à propriedade todas as normas de ordenação pública sobre atividades econômicas privadas”.

4 Além de elas continuarem sendo possíveis, suas regras “aplicam-se às reuniões e assembleias semipresenciais e digitais, subsidiariamente e no que com elas forem compatíveis” (art. 12).

5 Essa regra foi inserida na IN a pedido da própria OCB – Organização das Cooperativas Brasileiras: “em muitas cooperativas o estatuto social estabelece, expressamente, que no caso de eleição dos órgãos de administração ou fiscalização o voto deve ser secreto. Assim, nesses casos, o sistema eletrônico adotado pela sociedade, além de garantir a devida segurança e confiabilidade, deve prever a anonimização dos votos proferidos pelos participantes”.

6 Se a reunião ou assembleia for semipresencial, os que comparecerem ao local físico registrarão sua presença como já fazem atualmente (art. 5º, inciso I). Se for admitido o envio de boletim de voto a distância, será considerado presente aquele que enviar boletim válido (art. 5º, inciso II).

7 Clique aqui.

8 NUNES, Marcelo Guedes. Assembleia de sócios. Enciclopédia jurídica da PUC-SP. Celso Fernandes Campilongo, Alvaro de Azevedo Gonzaga e André Luiz Freire (coords.). Tomo: Direito Comercial. Fábio Ulhoa Coelho, Marcus Elidius Michelli de Almeida (coord. de tomo). 1. ed. São Paulo: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, 2017.