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Direito Antitruste: A análise prévia de atos de concentração e o problema do gun jumping

Uma das principais mudanças trazidas pela Lei nº 12.529/2011 foi a previsão de análise prévia obrigatória dos atos de concentração empresarial submetidos ao CADE (Conselho Administrativo de Defesa Econômica), a autoridade antitruste brasileira.

No regime da lei revogada (Lei nº 8.884/1994), as empresas tinham até 15 (quinze) dias úteis após a realização do ato de concentração para submetê-lo ao exame do CADE. De acordo com a atual lei, porém, eles são obrigados a submeter o ato de concentração à análise do CADE antes de sua concretização.

Na vigência da lei anterior, pois, a maior preocupação das empresas era contar corretamente o referido prazo de 15 (quinze) dias úteis, a fim de não apresentarem o ato de concentração intempestivamente, o que acarretava a aplicação de multas, as quais, muitas vezes, eram arbitradas em valores expressivos.

Já na lei atual, em que a apresentação do ato de concentração ao CADE deve ser prévia, o que traz preocupação para as empresas é o problema do gun jumping (expressão que significa algo como “queimar a largada”). Segundo Eduardo Molan Gaban:

 Jumping the gun (ou gun jumping) é a prática de atos de consumação da operação antes do julgamento pela autoridade antitruste. A experiência internacional, que provavelmente servirá de base para a formação da jurisprudência do CADE, arrola algumas hipóteses que ensejariam gun jumping: alocação de clientes; paralisação de marketing competitivo entre as partes; unificação de gestão; compartilhamento de informações sobre preços, capacidade de produção e estratégias comerciais (casos Gemstar/TV Guide, 2003, e Qualcomm/Flarion, 2006, ambos dos EUA); ações que alterem os incentivos entre os players, como comercialização de produtos da empresa adquirida (caso Bertelsmann/Kirch/Premier, 1998, UE); unificação do exercício de poder dentro das companhias, como deixar de realizar negócios e oferecer descontos em função da eventual operação (caso Computer Associates / Platinum Technology, 1999, EUA); compartilhar informações confidenciais (lista de clientes, preços, estratégias etc.) por razões diversas das perguntas de due diligence (caso Gemstar/TV Guide, 2003, EUA).

Assim, enquanto o CADE não firmar uma jurisprudência clara e segura sobre que atos podem e que atos não podem ser praticados pelas empresas antes da apresentação da operação, o risco de algumas delas serem multadas é alto. Portanto, as empresas devem tomar muito cuidado para não praticarem atos antes da apresentação da operação que possam ser interpretados pela autoridade antitruste como consumação desta.

Foi o que ocorreu, por exemplo, no AC 08700.005775/2013-19 (OGX e Petrobras), no qual se entendeu que “houve a prática de atos de consumação do negócio antes de sua análise pelo CADE [no caso, a Petrobras vendeu para a OGX 40% de participação no bloco BS-4, localizado na bacia de Santos, antes de notificar a operação]. Nesse sentido, considerando que o instrumento negocial foi firmado após o início da vigência da lei nº 12.529/2011, restou configurada a prática de ‘gun jumping’” (trecho do parecer da Procuradoria do CADE).

Foi o que ocorreu também no AC 08700.010394/2014-32, que tratou da aquisição de ativos da Brasfigo pela Goiás Verde: o CADE entendeu que houve consumação prematura do negócio, por ter havido efetiva transferência de ativos – marcas e equipamentos – antes da análise da autoridade antitruste (a multa foi de R$ 3 milhões).

Mais recentemente, houve o caso da joint venture Blue Cycle Distribuidora de Petróleo S/A, formada pelas empresas RR Participações Ltda., Douek Participações Ltda. e Shimano Inc. (Procedimento Administrativo para Apuração de Ato de Concentração nº 08700.002655/2016-11). Esse caso merece destaque por alguns motivos: (i) a investigação teve início em razão de representação feita pelo Clique Denúncia, (ii) foi a primeira vez em que o CADE analisou eventual prática de gun jumping em formação de joint venture e (iii) também foi a primeira vez em que o CADE aplicou, além da multa (que foi de R$ 1,5 milhão), a sanção de nulidade do contrato, medida intervencionista extrema.