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O que Elon Musk e a compra do Twitter ensinam sobre pulverização acionária.

Após um longo processo de negociações, foi concluída em novembro de 2022 a compra de 100% das ações da rede social Twitter pelo empresário sul-africano-canadense Elon Musk. O alto montante da negociação, quantificada em US$ 44 bilhões, despertou o interesse do mercado e dos estudiosos do tema.

O Twitter, que antes da negociação era uma companhia de capital aberto, fechou o capital após a concentração das ações em um único sócio, tendo sido excluída do pregão da Bolsa de Nova York em outubro do mesmo ano.

Após este fato, uma série de medidas polêmicas foram tomadas pelo, agora, sócio único Elon Musk. A primeira delas foi a dissolução do conselho de administração da companhia com a demissão de todos os conselheiros da empresa, conforme documento enviado para a SEC – Securities and Exchange Commission, comissão que regula o mercado financeiro norte-americano.

Outra medida anunciada foi a demissão em massa de funcionários da companhia, o anúncio do empresário divulga que cerca de 25% dos funcionários deverão ser desligados nos próximos dias, enquanto medida da nova política de gestão.

O novo dono da companhia que se tornou, além de único sócio, único membro da administração empresarial, figura enquanto responsável exclusivo por todas as decisões sociais e de gestão empresarial o que, por óbvio, só foi possível exatamente por ser o único detentor das ações sociais.

O excesso de poder, fruto da concentração de capital em apenas uma pessoa, leva à reflexão sobre a importância da pulverização do capital social da companhia aberta frente aos princípios da boa governança e da função social da empresa.

De forma simples, dizer que o capital de companhia aberta está pulverizado significa afirmar que o poder de controle não está sob as mãos de uma pessoa ou de um pequeno grupo dominante.

Espera-se que com a pulverização do capital as decisões empresariais estejam menos submetidas ao alvedrio de uma minoria, ou de uma pessoa só, que pode decidir pela companhia aberta sem levar em consideração os interesses pessoais e econômicos dos demais acionistas e da própria empresa.

A pulverização do capital social é, portanto, medida de Governança Corporativa, incentivada por muitas organizações, instituições e bolsas de valores ao redor do mundo para garantir mais confiabilidade à companhia que negocia ações no mercado.

Recentemente a brasileira Vale, mineradora e uma das maiores empresas do país, assumiu o compromisso de boa governança e passou a ter capital pulverizado, como forma de comunicação ao mercado de que as decisões da companhia teriam menos interferência política e privilegiando os interesses dos investidores.

Na situação narrada acima, a partir da compra do Twitter por Elon Musk e da transformação da companhia aberta em fechada de um sócio só, obviamente não há que se falar em interesse de demais acionistas. No entanto, há ainda uma função social que precisa ser exercida pela empresa em funcionamento, e aqui fala-se nos interesses dos funcionários em manterem-se nos empregos, do Estado em arrecadar, dos usuários da rede social em ter respeitados seus direitos, apenas para ilustrar alguns exemplos.

O fato da companhia negociada em valor tão elevado, e sobre a qual há um interesse social tão relevante, ter se tornado uma empresa fechada faz com que ela não se submeta mais a boa parte das regras emanadas pela SEC.

Uma vez que não há mais interesse em agradar o mercado e investidores, as decisões empresariais podem ter como destinatário o próprio empresário, o que não é mais admissível na perspectiva da responsabilidade social.

Qualquer regulação do exercício da atividade torna-se muito mais limitada e restrita à denúncia de ilícitos, o que não garante nem inibe a prática de atos que se situam na zona nebulosa que há entre a legalidade e a ilegalidade, entre o cumprimento ou descumprimento da função social, difíceis de aferir de maneira objetiva.

As regras do capitalismo não impõem limite à obtenção de uma empresa de tanta potência econômica e que causa tamanho impacto social por uma pessoa só. Não é, tampouco, a intenção da reflexão proposta trazer conclusões ao problema que se impõe. Mas a uma conclusão pode-se chegar com facilidade: os interesses metaindividuais relacionados ao exercício da empresa estão melhor assegurados, ao menos em tese, quando uma companhia desse porte está submetida ao mercado de capitais e com o capital pulverizado.