Agi e Santa Cruz Advocacia

Plano especial de recuperação judicial para microempresas e empresas de pequeno porte

De acordo com o art. 179 da CF/88, “a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios dispensarão às microempresas e às empresas de pequeno porte, assim definidas em lei, tratamento jurídico diferenciado, visando a incentivá-las pela simplificação de suas obrigações administrativas, tributárias, previdenciárias e creditícias, ou pela eliminação ou redução destas por meio de lei”.

Atualmente, a lei que confere esse tratamento jurídico diferenciado para as ME e EPP é a Lei Complementar 123/2006, que em seu art. 3º dispõe o seguinte: “para os efeitos desta Lei Complementar, consideram-se microempresas ou empresas de pequeno porte, a sociedade empresária, a sociedade simples, a empresa individual de responsabilidade limitada e o empresário a que se refere o art. 966 da Lei no 10.406, de 10 de janeiro de 2002 (Código Civil), devidamente registrados no Registro de Empresas Mercantis ou no Registro Civil de Pessoas Jurídicas, conforme o caso, desde que: I – no caso da microempresa, aufira, em cada ano-calendário, receita bruta igual ou inferior a R$ 360.000,00 (trezentos e sessenta mil reais); e II – no caso da empresa de pequeno porte, aufira, em cada ano-calendário, receita bruta superior a R$ 360.000,00 (trezentos e sessenta mil reais) e igual ou inferior a R$ 3.600.000,00 (três milhões e seiscentos mil reais)”.

Também seguindo a orientação do art. 179 da CF/88, a Lei 11.101/2005 (LFRE – Lei de Falência e Recuperação de Empresas) houve por bem estabelecer para as ME e EPP um plano especial de recuperação judicial, disciplinado nos seus arts. 70 a 72.

Primeiramente, a leitura do art. 70, § 1º, da LFRE deixa claro que a submissão ao plano de recuperação especial é uma faculdade colocada à disposição dos microempresários e dos empresários de pequeno porte. De fato, eis o teor da norma em comento: “as microempresas e as empresas de pequeno porte, conforme definidas em lei, poderão apresentar plano especial de recuperação judicial, desde que afirmem sua intenção de fazê-lo na petição inicial de que trata o art. 51 desta Lei”. Cabe aos devedores enquadrados como ME ou EPP, pois, optar pelo plano especial da lei, mencionando essa opção em sua petição inicial. O uso do termo poderão, em nossa opinião, não deixa dúvidas quanto à interpretação da regra: trata-se, indubitavelmente, de uma faculdade.

Conforme o art. 71 da LRE, “o plano especial de recuperação judicial será apresentado no prazo previsto no art. 53 desta Lei e limitar-se-á às seguintes condições: I – abrangerá todos os créditos existentes na data do pedido, ainda que não vencidos, excetuados os decorrentes de repasse de recursos oficiais, os fiscais e os previstos nos §§ 3º e 4º do art. 49; II – preverá parcelamento em até 36 (trinta e seis) parcelas mensais, iguais e sucessivas, acrescidas de juros equivalentes à taxa Sistema Especial de Liquidação e de Custódia – SELIC, podendo conter ainda a proposta de abatimento do valor das dívidas; III – preverá o pagamento da 1º (primeira) parcela no prazo máximo de 180 (cento e oitenta) dias, contado da distribuição do pedido de recuperação judicial; IV – estabelecerá a necessidade de autorização do juiz, após ouvido o administrador judicial e o Comitê de Credores, para o devedor aumentar despesas ou contratar empregados”.

Perceba-se que o art. 71 cuida apenas do plano de recuperação que deve ser apresentado pelas ME e EPP, mas antes da apresentação desse plano caberá a elas requerer o deferimento do processamento do seu pedido, nos termos do art. 51 da LFRE. E esse deferimento só ocorrerá se o juiz constatar o preenchimento dos requisitos constantes do art. 48 da LFRE.

Feito o requerimento regularmente (art. 51) e preenchidos os requisitos legais (art. 48), o juiz deferirá o processamento do pedido de recuperação judicial, abrindo-se o prazo de 60 dias previsto no art. 53 para a apresentação do plano especial, nos termos do art. 71, acima transcrito.

De acordo com a redação original do inciso I do art. 71, apenas os créditos quirografários podiam ser abrangidos pelo plano especial das ME e EPP em crise, com as mesmas exceções do plano normal dos demais devedores, relativas aos créditos previstos no art. 49, §§ 3º e 4º, da LFRE. Portanto, os créditos trabalhistas, fiscais, com garantia real, com privilégio especial ou geral etc. não se submetiam aos efeitos do plano especial de recuperação dos microempresários e dos empresários de pequeno porte. Ocorre que essa regra foi alterada, e atualmente o plano especial abrange “todos os créditos existentes na data do pedido, ainda que não vencidos, excetuados os decorrentes de repasse de recursos oficiais, os fiscais e os previstos nos §§ 3º e 4º do art. 49”. Hodiernamente, pois, praticamente não há diferença entre o plano especial e o plano normal de recuperação no tocante aos créditos abrangidos.

Segundo o parágrafo único do dispositivo em análise, “o pedido de recuperação judicial com base em plano especial não acarreta a suspensão do curso da prescrição nem das ações e execuções por créditos não abrangidos pelo plano”. Sendo assim, todas as ações e execuções relativas a créditos não abrangidos pelo plano terão prosseguimento regular em suas respectivas varas, não sofrendo qualquer paralisação. E mais: segundo o § 2º do art. 70, “os credores não atingidos pelo plano especial não terão seus créditos habilitados na recuperação judicial”.

De acordo com o inciso II do art. 71, por sua vez, os créditos submetidos aos efeitos do plano especial serão parcelados em até 36 prestações mensais, iguais e sucessivas, sobre as quais incidirão juros equivalentes à SELIC. O plano especial pode propor, também, um abatimento das dívidas a ele submetidas (na redação original da LFRE, os juros eram de 12% ao ano e não havia menção expressa à possibilidade de abatimento das dívidas).

Já o inciso III do art. 71 prevê que o pagamento da primeira prestação ocorrerá no prazo máximo de 180 dias, contados da data de distribuição do pedido de recuperação judicial. Vê-se, pois, que o devedor não terá muito tempo para iniciar os pagamentos, uma vez que o requerimento provavelmente foi distribuído há no mínimo 60 dias, que é o prazo concedido pela lei para que ele apresente seu plano após deferido o processamento de seu pedido pelo juiz.

Por fim, o inciso IV do art. 71 prevê que caberá ao juiz, após ouvir o administrador judicial e o comitê de credores, autorizar qualquer aumento de despesas ou contratação de empregados por parte do devedor.

A grande diferença entre o plano especial e o plano normal de recuperação judicial, portanto, é que naquele a própria lei já estabelece como será o plano (parcelamento em até 36 vezes, juros equivalentes à SELIC e carência de até 180 dias), enquanto neste o devedor é livre para estabelecer suas condições (ver art. 50, que lista um rol meramente exemplificativo de meios de recuperação).

Além de todas as especificidades do plano especial descritas no art. 71 da LFRE e acima analisadas, há uma outra característica relevante a ser destacada: o art. 72 prevê que a aprovação do plano especial apresentado pelas ME e EPP devedoras, ao contrário do que ocorre no processo de recuperação normal dos demais devedores, não é competência da assembleia-geral dos credores, mas do próprio juiz. Eis o que diz a regra em questão: “caso o devedor de que trata o art. 70 desta Lei opte pelo pedido de recuperação judicial com base no plano especial disciplinado nesta Seção, não será convocada assembleia-geral de credores para deliberar sobre o plano, e o juiz concederá a recuperação judicial se atendidas as demais exigências desta Lei”.

No entanto, não se pode afirmar que o juiz é totalmente livre para decidir se concede ou não a recuperação judicial com base em plano especial para ME e EPP, porque dependendo da quantidade de credores que apresentem objeções ao plano, a sua rejeição será inevitável, com a consequente decretação da falência do micro ou pequeno devedor. Com efeito, dispõe o art. 72, parágrafo único, que “o juiz também julgará improcedente o pedido de recuperação judicial e decretará a falência do devedor se houver objeções, nos termos do art. 55, de credores titulares de mais da metade de qualquer uma das classes de créditos previstos no art. 83, computados na forma do art. 45, todos desta Lei”.