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Você sabe o que é o “período de graça” no Direito de Propriedade Industrial?

Dois dos bens protegidos pelo direito de propriedade industrial são a invenção e o modelo de utilidade, e sua proteção específica se dá mediante a concessão de patente, instrumentalizada pela respectiva carta-patente.

Para que o autor de uma invenção ou de um modelo de utilidade obtenha a proteção jurídica ao seu invento, por meio da concessão da respectiva patente, precisa demonstrar o preenchimento dos requisitos de patenteabilidade: (i) novidade; (ii) atividade inventiva; (iii) aplicação industrial (ou industriabilidade); e (iv) licitude (ou desimpedimento).

O requisito da novidade se considera preenchido quando a invenção ou o modelo de utilidade não estão compreendidos no estado da técnica (art. 11 da Lei 9.279/1996 – LPI), o qual, por sua vez, “(…) é constituído por tudo aquilo tornado acessível ao público antes da data de depósito do pedido de patente, por descrição escrita ou oral, por uso ou qualquer outro meio, no Brasil ou no exterior, ressalvado o disposto nos arts. 12, 16 e 17” (art. 11, § 1º, da LPI).

Segundo a doutrina especializada, a LPI adotou o critério da novidade absoluta[1], de modo que “para ser privilegiável, a invenção deve ser nova de maneira absoluta. Ela não possuirá esta característica se, antes da patente, houver sido conhecida mesmo no país mais longínquo ou nos tempos mais recuados”[2].

Em síntese, um determinado invento (invenção ou modelo de utilidade) atenderá o requisito da novidade se constituir algo desconhecido até mesmo para a comunidade científica especializada naquela respectiva área de conhecimento.

Confira-se, a propósito, a seguinte decisão do TRF da 2ª Região, especializado em causas sobre propriedade industrial, em razão de o Instituto Nacional da Propriedade Industrial – INPI ser sediado no Rio de Janeiro, mesmo local da sede do referido tribunal:

PROPRIEDADE INDUSTRIAL. PATENTE. INVENÇÃO. NOVIDADE. ESTADO DA TÉCNICA. DISPOSITIVO DE ESTRATIFICAÇÃO DE CONVECÇÃO TÉRMICA. APERFEIÇOAMENTOS.

1. A patente protege a invenção que apresente, em relação ao estado da técnica, uma novidade absoluta, em outras palavras, a invenção deve ser diferente de TUDO o que, até aquele momento, era de conhecimento do público.

2. Determinadas situações apresentam problemas técnicos que o inventor procura solucionar com sua invenção, em nítida relação de causa e efeito. Assim, a invenção é, cada vez mais, um novo meio ou uma nova aplicação de meios já conhecidos, com o fim de melhorar a invenção dos outros.

3. No caso concreto ora em análise, as novas dimensões da peça e as melhorias implementadas na proteção das tubulações, no que se refere à transmissão de calor, agregaram mais funcionalidade ao conjunto, conferindo-lhe caráter de novidade suficiente a fundamentar a concessão do privilégio.

4. Apelação desprovida.

(TRF-2.ª Região, AC 416314, Processo 2002.51.01.523996-8-RJ, 2.ª Turma Especializada, Rel. Des. Federal Liliane Roriz, j. 24.06.2008, DJU 08.07.2008, p. 48)

No entanto, apesar de a LPI adotar o critério da novidade absoluta, o seu art. 12 faz uma importante ressalva, estabelecendo que “não será considerada como estado da técnica a divulgação de invenção ou modelo de utilidade, quando ocorrida durante os 12 (doze) meses que precederem a data de depósito ou a da prioridade do pedido de patente, se promovida: I – pelo inventor; II – pelo Instituto Nacional da Propriedade Industrial – INPI, através de publicação oficial do pedido de patente depositado sem o consentimento do inventor, baseado em informações deste obtidas ou em decorrência de atos por ele realizados; ou III – por terceiros, com base em informações obtidas direta ou indiretamente do inventor ou em decorrência de atos por este realizados”.

O dispositivo legal em questão trata do que a doutrina especializada chama de período de graça, primeira das três exceções à exigência de novidade absoluta dos inventos que são objeto de pedidos de patente.

Se o próprio inventor divulgou seu invento nos 12 meses antes de depositar o pedido de patente – em um seminário ou em uma palestra, por exemplo –, essa divulgação não o prejudicará, isto é, não se poderá usar essa divulgação feita por ele mesmo para se dizer que o invento está integrado ao estado da técnica e, consequentemente, não é novo.

A mesma situação ocorre se a divulgação do invento foi feita por outrem ou pelo próprio INPI, mas com base em informações obtidas do inventor[3]. No exemplo citado acima – inventor que divulga seu invento numa palestra antes de depositar o respectivo pedido de patente –, imagine-se que alguém presente à palestra use as informações do evento para depois divulgá-las, ou mesmo para depositar um pedido de patente junto ao INPI antes do verdadeiro inventor e sem o consentimento deste. Nesses casos, desde que tais divulgações (pelo terceiro ou pelo próprio INPI) tenham sido feitas nos 12 meses antes de o inventor depositar o pedido de patente, elas não o prejudicarão, isto é, não serão suficientes para integrar o invento ao estado da técnica e, consequentemente, retirar-lhe a novidade.

Segundo Denis Borges Barbosa, a regra do art. 12 da LPI serve para proteger o inventor hipossuficiente, isto é, “o inventor individual ou a pequena empresa que, historicamente, tendem a perder o direito de pedir patente por divulgarem o invento antes do depósito”. Assim, prossegue o autor, “nenhuma contemplação poderá haver no caso de invento de titularidade uma grande ou média empresa que descura de pretender proteção a seus inventos; dormientibus non soccurit jus. Para estes, há que se aplicar o período de graça com o máximo de restrição”[4]. No mesmo sentido, confira-se o seguinte excerto de julgado do TRF da 2ª Região:

(…) Também no que toca a questão, convém salientar que a constatação de que a comercialização da criação industrial em comento foi realizada com o intuito de estimar a receptividade invenção na sua área de aplicação e também avaliar a verdadeira efetividade da solução tecnológica nela apresentada decorre do próprio contexto dos autos, a comprovar que o titular da patente PI 9703496-7 é inventor individual, o real destinatário da proteção prevista no artigo 12 da Lei n.º 9.279-96 e cujos instrumentos de divulgação da inovação tecnológica são sabidamente limitados, se comparados aos disponibilizados para as empresas de grande porte.

(Embargos de Declaração em AC 2004.51.01.513998-3, da Segunda Turma Especializada do Tribunal Regional Federal da 2ª Região, à unanimidade, 30 de setembro de 2008)

NOTAS

[1] A novidade relativa, que, frise-se, não foi a opção do nosso legislador, “é a que se leva em conta apenas uma região geográfica, ou um prazo, ou a um meio determinado, restringindo-se, por exemplo, às tecnologias descritas e publicadas para conhecimento geral”: BARBOSA, Denis Borges. Uma introdução à propriedade intelectual. 2ª ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2003, p. 320.

[2] ALLART, Henry apud DOMINGUES, Douglas Gabriel. Comentários à Lei de Propriedade Industrial. Rio de Janeiro: Forense, 2009. p.42.

[3] “O dizer da lei, ‘direta ou indiretamente’, abrange toda e qualquer comunicação do teor do invento, deliberada ou não, obtida dolosa ou culposamente, ou ainda sem qualquer culpa. Só se exclui da regra geral do art.12 a divulgação de informações independentes, a de um invento autônomo”: BARBOSA, Denis Borges. Uma introdução à propriedade intelectual. 2ª ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2003, p. 330.

[4] BARBOSA, Denis Borges. Uma introdução à propriedade intelectual. 2ª ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2003, p. 330.